O ano 2020 marca o final de uma década em que assistimos a grandes mudanças políticas, sociais e económicas à escala global. Estas mudanças representam muitas vezes novos desafios do ponto de vista de gestão dos riscos e da segurança de pessoas, bens e ambiente. Sendo a Proteção Civil uma atividade transversal e permanente, a mesma também evolui ao longo do tempo para se adaptar às especificidades de cada momento. Como tal, e fazendo uma retrospetiva da última década, quais foram as mudanças observadas na estrutura do sistema de Proteção Civil? Que implicações tiveram? E o que se perspetiva para a próxima década?

O diagrama abaixo resume as alterações observadas na estrutura do sistema de Proteção Civil, comparando a realidade de 2010 com a de 2020.

Esquema prociv 2020

Extinção dos Governos Civis

Uma das medidas impostas pela troika, durante o programa de assistência financeira a Portugal entre 2011 e 2014, foi a extinção dos Governos Civis, como parte da restruturação das instituições do próprio Estado. Contudo, em termos de sistema de Proteção Civil, esta medida colocava em risco o princípio da subsidiariedade e o desenvolvimento de políticas distritais de Proteção Civil, pois resultava num vazio entre os escalões nacional e municipal em termos de direção política do sistema, pelo que o Decreto-Lei n.º 114/2011 transferiu as competências dos Governos Civis para outras entidades da Administração Pública. Em matéria de Proteção Civil, estas competências foram distribuídas entre a estrutura da Autoridade Nacional de Proteção Civil e os Comandantes Distritais de Operações de Socorro, conforme refletido nas alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 1/2011 na Lei de Bases de Proteção Civil.

Criação dos Agrupamentos Distritais

Na dimensão operacional, a principal alteração ocorrida na última década foi a constituição de um nível intermédio na cadeia de comando único da Autoridade Nacional de Proteção Civil, entre os escalões nacional e distrital, através dos Agrupamentos Distritais de Operações de Socorro. Em 2010, a estrutura de comando assentava num Comando Nacional de Operações de Socorro (CNOS) e 18 Comandos Distritais de Operações de Socorro (CDOS). Como tal, havia o risco do CNOS perder capacidade de resposta na articulação com os 18 CDOS perante situações de múltiplas ocorrências de grandes dimensões em simultâneo, dispersas um pouco por todo o território nacional, sendo que esta dificuldade era sentida em particular nas épocas de incêndios florestais. Nesse sentido, o Decreto-Lei n.º 72/2013, procedeu à alteração do Sistema Integrado de Operações de Proteção e Socorro (SIOPS), criando os agrupamentos distritais com o objetivo de estes fazerem a ponte entre o nível nacional e o nível distrital, reforçando a capacidade de comando operacional do sistema de Proteção Civil. Atualmente, existem 5 Agrupamentos Distritais de Operações de Socorro que asseguram essa função.

Restruturação da Proteção Civil municipal

Nos últimos 10 anos, o escalão municipal também sofreu alterações estruturais, com a revisão e atualização da Lei da Proteção Civil Municipal, em 2019. Neste âmbito, importa destacar-se a redefinição do papel das Comissões Municipais de Proteção Civil (CMPC) e a criação dos Centros de Coordenação Operacional Municipais (CCOM), permitindo uma uniformização da orgânica do sistema de Proteção Civil nos diferentes escalões. Ou seja, até à implementação desta medida, as CMPC acumulavam as funções de coordenação política e de coordenação institucional, sendo que agora a coordenação institucional fica a cargo dos CCOM. Por outro lado, os municípios, com mais do que um corpo de bombeiros, passam a ter a possibilidade de criar as Centrais Municipais de Operações de Socorro (CMOS), que na prática correspondem ao equivalente municipal dos comandos distritais e reforçam, assim, a capacidade de comando operacional neste escalão.

Qual o futuro do sistema de Proteção Civil?

A estrutura do sistema de Proteção Civil sofreu algumas alterações ao longo dos últimos 10 anos, mas na sua essência manteve a lógica de organização e continua a respeitar o princípio da subsidiariedade entre escalões. Na prática, as principais alterações decorreram de i) processos externos à Proteção Civil, como a extinção dos governos civis; ii) da necessidade operacional, como a criação dos agrupamentos municipais; ou iii) da necessidade de uniformização, como a restruturação da Proteção Civil municipal.

Contudo, prevê-se para breve uma alteração mais profunda na estrutura e na organização do sistema de Proteção Civil, como resultado da aprovação da lei orgânica da nova Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, a qual assenta num modelo territorial enquadrado com as regiões NUTS II e NUTS III, em detrimento da atual organização distrital. Esta alteração obrigará à redefinição das estruturas existentes entre o escalão municipal e o escalão nacional.

Apesar de não ser ainda possível prever todas as implicações que esta transformação irá ter no sistema de Proteção Civil, fica a certeza de que a transição não será fácil, pois implica que a mudança de paradigma se reflita em todas as áreas e instituições do Estado com responsabilidades diretas em matéria de Proteção Civil, tais como, as forças de segurança, as entidades da saúde ou a própria segurança social, entre outras.

Até lá, iremos continuar a acompanhar a evolução do sistema e a contribuir, sempre que possível, com ideias e soluções inovadoras para promover um sistema de Proteção Civil moderno, eficiente e integrado em 2030.

Miguel Lemos Santos | Partner
Nuno Teixeira Gomes | Consultant